terça-feira, 25 de dezembro de 2012

História do cruzamento em Pinheiros

Na rua, um ônibus desembestado. Mas como todo bom paulistano, isso não é grande novidade. Se toma um cuidado redobrado ao atravessar as ruas da cidade. Mas nessa história, não houve cuidado. O que ocorreu foi que na frente desse ônibus desembestado um homem pulou, bateu, se misturou, caiu, sujou a rua suja. O motorista xingou, o engravatado do carro importado xingou, não se importava. A gente se amontoou, nenhum médico, só curiosos. Curiosos que da história nada sabiam, nem mesmo queriam saber. Só queriam ver se tinha morrido. Ver a cena. Tirar foto. Postar. Curiosidade mórbida das pessoas.

Como diria Adoniram, o chofer não teve curpa. Curpado foi o coração desse sujeito, que às 22h00 da noite anterior não entendeu que o amor de anos a fim se findou. Se acabou em algumas poucas palavras, poucos gestos, deles a maioria tímidos. Uma vergonha na face, um vermelho nas bochechas ao nem tentar negar a traição. Seus olhos baixaram. Os dela também. Mas ela era a traidora. Os olhos dela baixaram mais. Se pudessem, entravam na calçada. Mas sim, ela havia gostado.

Ele entendeu a situação. Verdade. Era ciente bastante da situação que vivia. Não tinham mais aquele amor de antes. Mas talvez pela história. Talvez pela zona de conforto. Talvez pelo hábito. Ainda se viam três vezes por semana. Passear no shopping. Assistir um filme. Dar as mãos. Raramente rolava sexo. Mas rolava. Não era bom. Mas era sexo.

Dali. Ambulância e caixão. Não tinha o que se fazer. Era avisar a família. Avisar a suposta viúva. Encomendar a alma. Enterrar o defunto. Cerimônia simples. Mãe chorando. Tia ao canto com um terço gasto. Cachorros perambulando. Pessoas exaltando os feitos de outrora. Pessoas andando de canto, dizendo os pecados. As piadas sujas. O café requentado. Aquela maldita bolacha Maria.

Ela foi. Não vestiu preto. Mas estava discreta. Um vestido florido, cores escuras e pastéis. Sapato preto. Meia fina preta. Óculos escuro. Uma bolsa pequena na frente do corpo. Se resignava. Chegou perto do caixão. Tocou-o por alguns minutos. Fez as suas orações. Prestou condolências. Chegou perto da mãe, ali se sentou. Falaram sobre o futuro que não foi. Os netos que não vieram. A festa de casamento que sonharam e não aconteceu. Uma tragédia meu pai, uma tragédia. Dizia o irmão do defunto. Até se viu algumas lágrimas dela.

O caixão partiu. Entrou na cova. Lacrada. Foram postas flores. Choraram. Aos poucos se foram. Um a um, abandonaram aquele local. Os últimos eram os mais inconformados, balançavam a cabeça em desgosto. Ainda jovem. Ainda moço. Seria daqueles que quando passamos pelas ruas do cemitério, notamos a juventude em que se foram. De 1988-2012. Tão jovem. Nem sabemos sua história. Morreu de acidente. Morreu do coração. Morreu de doença contagiosa. Morreu de solidão. Deixou um amor. Seria ele a pessoa mais especial do mundo para alguém?

Algumas semanas depois, aquelas meia eram despidas aos poucos. Com uma mão forte passeando pelas coxas grossas. Beijos. Suspiros. Cheiros. Numa cama que não mais a dela. Numa cama que não mais a dele. Ao lado um sutiã preto. Uma roupa de homem. Uma meia luz. Cortinas. Na cama, uma silhueta de mulher. Uma boca beijando deliciosos seios. Firmes. Bicos escuros. Deitada. Por cima dela um homem. Ela gemia. Ele ofegava. Se seguravam firme. Ela arranhando suas costas. Uma cena de sexo instigante diante dos olhos. Naquela cena havia prazer. Eram os traidores. Felizes. Vivos.

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