De um olhar que me fez nascer segunda vez,
Não mais te hei de rever senão na eternidade?
Se
é algo que não posso negar, a saudade que eu sinto dos nossos dias
juntos. Das nossas horas. Um filme que ainda insiste em passar na frente
dos meus olhos. Uma edição bem feita, quase perfeita, dos nossos
momentos. Nossas lembranças. Um recorte de tudo aquilo que eu sempre
quis. Descartando da película todos trechos dos nossos revezes. Nossas
frustrações. Nossas esperanças que se acabaram. Em foco, por três
minutos vezes mil, nosso passear tranquilo enquanto nos amávamos. Um Sol
mais Sol. Uma tarde mais tarde. Uma noite muito mais noite, e de vezes
infinita ao seu lado.
Se
é algo que não posso confirmar, a saudade que sinto dos nossos dias
juntos. Das brigas. Dos gritos. Dos absurdos que fazem parte da minha
pessoa e que como tinta, são lançados num quadro sempre em branco da
minha falta de memória. Uma sessão de terapia sobre mim, não sobre nós.
Meu ego. Meu superego. Meu transtorno. Os vestígios mais evidentes do
nosso egoísmo. A vontade de amar por inteiro, desde que nossas metades
sejam justas, ou justas para mim. A necessidade incondicional de
estarmos juntos, próximos. Sem espaço. Sem medida. Um desespero pelo
nós, nem que para isso tenhamos que matar o cada um de nós. Um sufoco.
Um enrosco. Uma xícara jogada na parede. Uma porta batendo atrás de mim.
Sem um adeus. Só um nunca mais.
Como
está você? Faz tempo que não te vejo. Criou seus filhos, fez uma
família. Casou. Enviuvou. Eu ainda sozinho, não largo meu cigarro, meu
canto, meus livros e meu notebook. Sempre a escrever romances. Romances
em que fomos felizes. Romances em que eu te deitei morta. Romances que
escrevi a muito tempo para te esquecer. E romances que a pouco escrevi
para te lembrar. Foram anos sem te ver. Mas não faz diferença. Para as
minhas memórias você nunca envelheceu.
Foram
muitos os amores depois do seu. Muitas noites. Muitos encontros. Muitos
desencontros. Um num festival de filme francês. Um num buteco na baixa
Augusta. Muitos com as meninas da própria Augusta. Virei um desajustado.
Virei algo que sempre quis ser. E que sempre soube que não deveria ser.
Ia e vinha pelas noites. Pelas drogas me viciei. Pela bebida me apoiei.
Fumei. Cheirei. Bebi. Vivi. Uma vida desregrada, uma vida invejada. Uma
vida de boêmio cultural. Uma vida com a qual se sonha na juventude. Uma
vida de prazer. Uma vida em plenitude. Uma vida que se vive jovem, e se
morre velho. Mas não muito velho.
Tive
overdose. Morri de cirose. Morri sozinho. Uma freira, uma enfermeira
do meu lado. Morri sozinho. Morri sozinho. Sem nome. Sem fama. Sem
livros. Sem amor. Sem valor. Mirrado numa cama. Magro pela doença.
Amarelo pela consequência. Triste pela vida. Mas sempre no meu coração.
Quase em devoção. Dele um pedaço. Era dedicado a você. Em vão.
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